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meu amor, lembras-te quando à noite líamos os romances de Thomas Bernhard e sorríamos sempre que ele escrevia “a pessoa da minha vida”? tu roubavas a expressão e quando me escrevias uma carta de amor – daquelas complexas, ardentes e pejadas de violência – colocavas no destinatário: “Zoe, a que vive algures entre London, 25, e o meu corpo”, para logo acrescentares: “a pessoa da minha vida”. éramos jovens, corríamos contra a morte e vivíamos como se as nossas vidas acabassem amanhã. era um amor desesperado, intenso, movido por algo que escapava ao nosso controlo. os nossos amigos temiam por nós: “nenhum dos dois sobreviverá ao outro”, costumavam dizer. tu respondias que um dia ainda te perderias em mim, tal era a proximidade com que os nossos espíritos, almas e corpos se tocavam. mas, perdido já tu andavas, desde o momento em que aterraste em London, 25. tu rias, eu ria. voltávamos a ler Thomas Bernhard, a sorrir sempre que ele escrevia “a pessoa da minha vida” e compúnhamos cartas de amor. e eles, os que nos rodeavam, continuavam a temer por nós, tal era a violência com que vivíamos. nunca souberam que apesar dos nossos espíritos, almas e corpos se tocarem, jamais perderam a sua individualidade – e aqui é que residia o nosso segredo, meu amor.
Bernhard é um mestre a ser lido e relido.
sem dúvida alguma 😀