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acordei à procura do paraíso perdido

May 20, 2008

O que é afinal essa história de encontrar um reino milenar, um éden, outro mundo? Tudo o que se escreve nos nossos tempos e merece ser lido está orientado na direcção da nostalgia. Complexo da Arcádia, regresso ao grande útero, back to Adam, le bon sauvage (e continuando…), Paraíso perdido, perdido porque te procuro, eu, sem luz para sempre… (…) E não é pelo Éden, não é tanto pelo Éden em si como virar costas aos aviões a jacto, às caras de Nikita, de Dwight, de Charles ou de Francisco, ao acordar com o despertador, ao ajustar o termómetro e a ventosa, à reforma a pontapés no cú (…) Dizíamos que o homo sapiens não procura a porta para entrar no reino milenar (ainda que não fosse mal visto, mesmo nada mal visto) senão para poder fechá-la atrás de si e abanar o rabo como um cão satisfeito, sabendo que o sapato da puta da vida ficou para trás e está agora entretido a tentar rebentar com a porta fechada; é então que se pode ir relaxando o pobre cu com um suspiro, que nos podemos começar a endireitar e caminhar por entre as florzinhas do jardim, detendo o olhar numa nuvem por nada menos do que cinco mil anos, ou vinte mil, se for possível e ninguém se aborrecer por causa disso, e se houver uma hipótese de se ficar simplesmente no jardim, a olhar para as florzinhas.

Júlio Cortázar, in O Jogo do Mundo (Rayuela). Lisboa: Cavalo de Ferro, 2008

6 Comments leave one →
  1. May 20, 2008 3:36 pm

    Sincronia: estamos a ler o mesmo livro 🙂 para trás, para a frente, para trás. um labirinto. e a sublinhar, a sublinhar.

  2. May 20, 2008 3:41 pm

    E diz lá que não é um encanto? a Maga, o Oliveira, o Clube da Serpente e as partes ‘filosóficas’ que nos empurram quase para o fim do livro… 🙂

  3. May 20, 2008 6:10 pm

    um encanto, definitivamente. gosto muito do Oliveira 🙂 e os capítulos mais adiantados são mesmo filosofia pura. um labirinto perfeito, esta rayuela.

  4. lavínia permalink
    May 20, 2008 6:26 pm

    Ainsa não comecei. Qual das hipóteses de leitura vocês seguiram?

  5. May 20, 2008 7:06 pm

    Segui a do quadro, a menos convencional e, parece-me, a recomendável. A Eduarda que diga de sua justiça 😉

  6. May 20, 2008 8:35 pm

    é, segue a do quadro. se segues o caminho mais curto ficarás apenas com a história principal e perderás toda a parte filosófica-deliciosa 😉

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