acordei à procura do paraíso perdido
O que é afinal essa história de encontrar um reino milenar, um éden, outro mundo? Tudo o que se escreve nos nossos tempos e merece ser lido está orientado na direcção da nostalgia. Complexo da Arcádia, regresso ao grande útero, back to Adam, le bon sauvage (e continuando…), Paraíso perdido, perdido porque te procuro, eu, sem luz para sempre… (…) E não é pelo Éden, não é tanto pelo Éden em si como virar costas aos aviões a jacto, às caras de Nikita, de Dwight, de Charles ou de Francisco, ao acordar com o despertador, ao ajustar o termómetro e a ventosa, à reforma a pontapés no cú (…) Dizíamos que o homo sapiens não procura a porta para entrar no reino milenar (ainda que não fosse mal visto, mesmo nada mal visto) senão para poder fechá-la atrás de si e abanar o rabo como um cão satisfeito, sabendo que o sapato da puta da vida ficou para trás e está agora entretido a tentar rebentar com a porta fechada; é então que se pode ir relaxando o pobre cu com um suspiro, que nos podemos começar a endireitar e caminhar por entre as florzinhas do jardim, detendo o olhar numa nuvem por nada menos do que cinco mil anos, ou vinte mil, se for possível e ninguém se aborrecer por causa disso, e se houver uma hipótese de se ficar simplesmente no jardim, a olhar para as florzinhas.
Júlio Cortázar, in O Jogo do Mundo (Rayuela). Lisboa: Cavalo de Ferro, 2008
Sincronia: estamos a ler o mesmo livro 🙂 para trás, para a frente, para trás. um labirinto. e a sublinhar, a sublinhar.
E diz lá que não é um encanto? a Maga, o Oliveira, o Clube da Serpente e as partes ‘filosóficas’ que nos empurram quase para o fim do livro… 🙂
um encanto, definitivamente. gosto muito do Oliveira 🙂 e os capítulos mais adiantados são mesmo filosofia pura. um labirinto perfeito, esta rayuela.
Ainsa não comecei. Qual das hipóteses de leitura vocês seguiram?
Segui a do quadro, a menos convencional e, parece-me, a recomendável. A Eduarda que diga de sua justiça 😉
é, segue a do quadro. se segues o caminho mais curto ficarás apenas com a história principal e perderás toda a parte filosófica-deliciosa 😉