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o jornalismo de artes

December 17, 2007

Nas últimas horas estive a analisar um artigo científico para um trabalho académico. Como o tema era livre, resolvi escolher um dos assuntos que mais me interessam: o jornalismo de artes.

O bebé que me veio parar às mãos foi The culture of arts journalists: Elitists, saviors or manic depressives? de Gemma Harries e Karin Wahl-Jorgensen. Nunca me diverti tanto a ler um artigo científico. Não que tenha lido muitos antes, mas pronto, tomava a coisa como séria, chata e enfadonha.

Muito resumidamente: depois de entrevistarem 20 jornalistas de arte (inclusive críticos) os autores chegaram à conclusão de que estes jornalistas se vêem a si próprios como excepcionais, com mais qualidades do que os outros jornalistas, elitistas e salvadores da moral.

E se à primeira impressão pode parecer muito mau, não é. Tirando a parte da **** da mania, todos os entrevistados concordaram que para se escrever sobre arte é necessário sentir uma forte paixão e apelo pelo tema. Os jornalistas acreditam no poder curativo da arte, na ideia de que a música, a literatura, a arquitectura, a dança, o teatro podem salvar o mundo. E, por isso, escrevem com tal paixão e ardor que muitos se consideram mais ‘escritores de arte’ do que jornalistas. Emocionei-me, é verdade.

Há também uma questão sobre a qual nunca tinha pensado muito. Os jornalistas de arte afirmam que escrevem para o público em geral mas ao mesmo tempo reconhecem que só uma minoria os lê. Por um lado, pretendem converter e salvar a humanidade, por outro, dirigem-se aos já convertidos. Deverá um crítico dar ao público aquilo que ele quer ou aquilo que pensa que ele precisa?

E, depois, triste, triste é saber que a maior parte das vezes se escreve para o boneco. A crítica, pelo menos, em Portugal, não tem muito peso. Basta olhar para os top’s de venda dos livros e comparar com as críticas literárias que vão saindo. Há uma discrepância abismal. Hoje em dia, a crítica já só tem lugar nos suplementos de fim-de-semana. A própria cultura ocupa, às vezes, duas páginas num jornal.

Mas é preciso continuar, os salvadores da moral acreditam que vão salvar o mundo.

8 Comments leave one →
  1. cláudia lomba permalink
    December 17, 2007 7:34 pm

    se calhar o que para uns é escrever apaixonadamente, para outros é presunção.

    essa coisa do elitismo na cultura serve quase sempre para desculpar a falta de interesse.

    mas isso é que é um artigo de categoria. 🙂

  2. December 17, 2007 9:07 pm

    tens bem razão quando a opinião vem de fora 😉

    mas neste artigo os próprios entrevistados assumiram que tinham de ter mais qualidades e qualificação do que os outros jornalistas para escreverem sobre arte. ou por outras palavras que são melhores do que os outros jornalistas e que detém o poder e autoridade para decidir o que o público deve consumir ou o que é a alta cultura. há alguma presunçãozinha ainda que disfarçada.

    quanto à opinião que vem de fora, é impossível escapar a isto: se um jornalista escreve sobre obras não muito lidas é imediatamente acusado de elitista. e se escreve sobre obras mais populares, está rendido à cultura popularucha e massificada e é um pimba, sem grande cultura.

  3. December 18, 2007 3:14 pm

    Essa coisa do escrever sobre arte tem que se lhe diga e não deve ser nada fácil… Eu um dia também gostava…
    🙂

  4. December 19, 2007 3:08 pm

    Na lista de preocupações: «Por um lado, pretendem converter e salvar a humanidade, por outro, dirigem-se aos já convertidos.»

  5. December 20, 2007 7:55 pm

    Tem muito que se lhe diga sim. Vivi, e vou tornar a viver essa realidade em breve, embora na plataforma televisiva. Num programa que praticamente não tem concorrência, que é emitido a altas horas da noite, e que é dirigido a todos, a poucos, a muitos e a alguns. Simultaneamente. Como?Como pode. Mas à presunção prefiro chamar-lhe paixão. Mas isso já depende de cada um e de cada qual. Interessante post, e fiquei curiosa acerca do livro agora *

  6. December 21, 2007 9:41 am

    Filipa não é um livro mas um artigo. Se quiseres posso enviar-te por email 😉

  7. December 24, 2007 11:48 am

    Do contacto que tive, no Público, com os meandros do maior suplemento cultural do país; e da ligação que com ele, Ípsilon, mantenho todos os fins-de-semana quando o leio, fica-me a ideia de que, sim, a há malta que escreve ali e que se julga salvadora do mundo. Jornalistas mais «escritores de arte» também. Não todos, claro está.
    Acontece que também na Política, no Desporto ou na Economia é assim. Há sempre os que se acham mais que os outros. Ou porque realmente sabem do que falam (i.e. escrevem) como poucos, ora porque simplesmente se vêem ao espelho assim. Coisa de Narciso.
    Gosto de Jornalismo Cultural, quem dera um dia poder fazê-lo mais amiúde. Sei que tenho uma longa estrada pela frente. Mas preocupa-me tremendamente esse facto de que muitas vezes o Ípsilon não seja «acessível a todas as inteligências», para usar uma expressão paternalista.
    Os tipos, convençam-se, não vão mudar o mundo. Podiam ao menos fazer mais qualquer coisa por mudar algumas pessoas.

Trackbacks

  1. o jornalismo cultural « o absurdo

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