i. neófito, não há morte
morreste-me, faz mais de um ano. e, hoje, como todos os dias, recordo-te e vivo-te, avô.
a tua secretária permanece intacta, as canetas, os blocos, o diário. agora sei, que foste tu, que me incutiste o gosto pela escrita. o diário, o famoso diário, é a obra literária mais importante e significativa para mim. está lá tudo, desde o nascimento da mãe aos dias da rega e sementeira. como só gostavas daquele diário e nunca te deste noutro, quando as páginas acabaram, foste colando mais. é um livro estranho: desde que o conheço que nunca fechou e tem folhas a sair por todos os lados. guarda o teu cheiro.
costumavas comprar todos os dias O Comércio do Porto. dizias que era o “jornal dos pobres” e, por isso, gostavas dele. sentavas-te à secretária, seleccionavas duas notícias, lias, sublinhavas a vermelho e recortavas. depois, deitavas o resto do jornal fora. eu e a avó íamos aos arames: onde é que já se viu comprar um jornal para ler duas notícias? tu tinhas sempre a mesma resposta: “isso é cá comigo”. e o assunto era encerrado.
especial o diário…