sobre o fast book
Desde há algum tempo que não entro em livrarias: mais do que perturbarem a minha existência, enfastiam-me! Tornou-se um lugar comum afirmar que o mercado livreiro está podre, corrompido e viciado… Mas a verdade é que está mesmo! As listas de livros mais vendidos tornaram-se previsíveis e pouco variam de região para região. Hoje em dia, entrar numa livraria significa levar na cara com fast book, pronto a pagar, consumir e deitar fora. Já não procuramos determinado autor, já não remexemos prateleiras, já não encomendamos obras esgotadas mas comemos o que as livrarias e editoras escolhem para/por nós. As obras imperecíveis estão escondidas num qualquer canto poeirento dos espaços comerciais ou então esgotadas há meses e sem grande vontade de reposição. Ou pior: o funcionário (os livreiros morreram!) nunca ouviu falar, pesquisa no computador, faz a encomenda (quando a obra existe nos catálogos) e depois é só esperar, com sorte, umas semanitas ou no pior dos casos, meses! No meio de tanto lamaçal medíocre tornou-se impossível escolher entre o mau e o péssimo. Os dados foram lançados, nós aceitamos ser peões.
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Hmmm… na verdade, da última vez que meti os pés numa livraria (2 semanas? menos?) não trouxe o que queria – mas pelo preço. E, mais em conta, vim todo contente com uma Mário de Sá-Carneirozinho para casa.
Não vejo um cenário tão apocalíptico, mas é certamente algo que dá para pensar. Isto é: na livraria estavam todos os indispensáveis da literatura contemporânea portuguesa (porque sei que os clássicos, por alguma razão que não sei, têm mais vezes os narizes torcidos das pessoas): Saramago, Lobo Antunes (estes dois com bastante destaque), Agustina, Cardoso Pires, Cesariny, Pessoa, Sá-Carneiro, Al Berto, etc. E esses não saem das prateleiras. Como apostar mais em qualidade se, ao que parece, não vende. Não nos podemos esquecer que, apesar de tudo, estamos a falar de comércio e não mecenato às boas cabecinhas dos indivíduos.
Penso que a génese do problema – e ele existe, sim, concordo contigo -, que é onde deveria ser curado e não a meio dele, não está nas livrarias.
é verdade que estamos perante um problema de dois bicos. as livrarias não apostam no “bom” ou “razoável” porque só vende o “mau”. mas como educar e formar leitores se as livrarias só oferecem o péssimo? o consumidor definirá sempre o mercado? claro que não vão ser as livrarias a educar as pessoas mas podem fazer alguma coisa…
num “negócio” a escolha do consumidor tem sempre mais peso mas deveria haver mais esforços por parte das livrarias em tentar mudar a situação actual. felizmente há bons exemplos como a Centésima Página. Aleluia!
Penso que é um problema educacional. De base. As livrarias deveriam ser o terminal onde os leitores vão buscar aquilo que sabem querer. No entanto, nada as impede de ter esse papel, verdade.
O que me parece premente é que as pessoas que têm este conhecimento das coisas não se fechem, formando elites, mas que o partilhem com toda a gente. Mesmo que, ainda assim, essas mesmas elites não deixem de existir e de ser necessárias…
só mais um apontamento: o problema é que as livrarias deixaram de ter disponíveis aquilo que determinados leitores procuram… a minha crítica reside fundamentalmente aqui. tem que haver livros para todos os gostos e não predominar exclusivamente a “literatura light”…
As livrarias sobrevivem à custa das vendas, não tendo qualquer subsídio que faça com que se possam dar ao ‘luxo’ de encomendar livros menos comercializáveis. É esta, infelizmente, a realidade.
Precisamente, Rui. Era isso que andava para aqui a tentar escrever.
A minoria que compra, pelo que se aparenta, ‘boa literatura’ não basta para manter as vendas no aceitável – que no liberalismo-coiso é no lucro.
Não que concorde especialmente com isto. Mas continuo a pensar nas pobres das livrarias sem culpa imediata. Ou então, pomos o conceito de toda a economia em questão: por mim, ‘bora aí…
Depois, podemos entrar na discussão bem mais infinita sobre a questão da ‘boa literatura’. Há pouco, em entrevista à Pública, o Lobo Antunes afirmou não conhecer Pamuk, nem demonstrou qualquer vontade para tal – será que há alguma razão para isso? Serão as dele, tal como existirão as nossas… É claro que há indiscutíveis, já sei – no mau e no bom.
Acabei de ler este post e ia sugerir a Centésima Página, mas pelos vistos já conheces 🙂
“Já não procuramos determinado autor, já não remexemos prateleiras, já não encomendamos obras esgotadas mas comemos o que as livrarias e editoras escolhem para/por nós”.
Não: quem quer procurar determinado autor, remexer nas prateleiras e encomendar obras esgotadas fará isso se quiser. Mas só quem quiser.
“o funcionário (os livreiros morreram!)”
Não morreram; deram lugar a quem melhor serve o leitor.
“No meio de tanto lamaçal medíocre tornou-se impossível escolher entre o mau e o péssimo. Os dados foram lançados, nós aceitamos ser peões”
O consumidor nunca é peão do vendedor; embora o contrário seja frequentemente verdade.